O ano de 2017 marcou uma nova disparada
no número de assassinatos no Nordeste. Dos sete Estados que divulgaram
dados de CVLIs (crimes violentos letais intencionais) do ano passado,
quatro tiveram alta em relação ao ano anterior, sendo que três deles
bateram seus recordes de assassinatos: Ceará, Pernambuco e Rio Grande do
Norte. Alagoas também teve também alta em 2017, enquanto Sergipe,
Paraíba e Piauí apresentaram queda, segundo os dados oficiais.
Os quatro Estados que tiveram alta foram
os que apresentaram as maiores taxas de homicídios –todos superiores a
50 por 100 mil habitantes, bem superior ao número considerado tolerável
pela OMS (Organização Mundial de Saúde), que é de dez por 100 mil. A
média no Brasil, em 2016, foi de 29 por 100 mil habitantes.
Dois Estados ainda não informaram dados,
nem deram previsão de quando irão fazer. A Bahia só tem estatísticas
atualizadas entre janeiro e agosto de 2017, quando foram assassinadas
4.267 pessoas. Já o Maranhão informa apenas os números de homicídios
registrados na capital, São Luís, onde 591 pessoas foram mortas. As
secretarias de segurança dos dois Estados foram procuradas, mas não
informaram os dados completos de 2017.
Se considerados os sete Estados que
divulgaram os dados, foram mortas 17.913 pessoas, contra 15.077 em 2016.
Ao que tudo indica, quando Maranhão e Bahia divulgarem seus dados
completos, o Nordeste deve bater seu recorde de 24.825 pessoas
assassinadas, registrado em 2016.
A maior taxa de homicídios ficou com o
Rio Grande do Norte, que chegou a 68 por 100 mil habitantes. O Estado
enfrentou, no ano passado, uma grave crise na penitenciária de Alcaçuz e
um aquartelamento de policiais.
Nos últimos dez anos, sete dos nove
Estados nordestinos apareceram ao menos uma vez entre os quatro mais
violentos do país: Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio
Grande do Norte e Sergipe.
Presídios, drogas e facções explicam a alta
Especialistas e as próprias secretarias
de segurança dos Estados que registram as maiores taxas apontam que a
violência sem freio tem pelo menos três explicações: o descontrole aos
presídios, a guerra de facções e o tráfico de drogas.
Para o presidente do Fórum Brasileiro de
Segurança Pública, Renato Sergio de Lima, a questão da violência no
Nordeste está dentro de um contexto similar ao de todo o país. No
entanto, diz, os três Estados que bateram recorde em assassinatos têm
problemas carcerários graves.
“Quando a gente muitas vezes envereda
dizendo que o problema é o crime organizado –e concordo que é, sim–,
lembro que as principais organizações, incluindo PCC (Primeiro Comando
da Capital), FDN (Família do Norte) e CV (Comando Vermelho) nasceram
dentro das prisões”, afirma o especialista. “O Brasil não consegue
resolver esse problema e está colocando em xeque investimentos de alguns
anos em gestão de polícia. Só polícia não vai resolver.”
Para Lima, existem disputas marcantes no
Nordeste pelo controle do fluxo da droga, de territórios e de quem
controle das prisões. “Vários especialistas mostram que o crime
organizado cresce na falta de ação do Estado nas prisões e, com isso,
ganha poder até com controle moral de conduta. As periferias acabam sob
julgo do crime organizado”, continua.
“E aí a gente tem um problema seríssimo,
porque temos o poder executivo nos Estados, União e municípios numa
grande bateção de cabeça. No meio das crises financeiras, as
ineficiências da área se mostram extremamente acentuadas. E nós temos no
Nordeste instituições policias relativamente pequenas, portanto eles
vivem a máxima do cobertor curto tendo de ser puxado.”
O pesquisador Ivenio Hermes, coordenador
do Laboratório de Violência Letal Intencional, destaca que uma das
características das capitais nordestinas ao lidar com os homicídios é a
constante oscilação. “Os planos ou programas variam entre relativo
sucesso que não perdura a amargos insucessos. Isso resulta na
categorização dos Estados como locais violentos, o que afugenta
investimentos, turistas, reduz o IDH [Índice de Desenvolvimento Humano]
da população e cria um ciclo constante de retroalimentação da
violência”, afirma.
Para Hermes, entre os motivadores da
violência está o tratamento essencialmente policial dados aos programas
de segurança. “Eles não interligam segurança pública com políticas
sociais, com saúde, com educação, geração de emprego e renda, enfim, na
redução das desigualdades sociais.”
O que dizem os Estados mais violentos
A Secretaria da Segurança Pública e
Defesa Social do Ceará informou que que a alta tem “relação direta com o
acirramento das disputas entre grupos criminosos”.”Para conter as ações
criminosas, a SSPDS [Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social]
tem investido em ações de territorialização, fazendo com que os
policiais militares estejam presentes 24 horas por dia nas periferias e
nas comunidades, com apoio de outros órgãos e esferas do poder público.
Para além da segurança, há investimento em acesso à infraestrutura,
educação em tempo integral, oportunidades de estágios e empregos,
projetos culturais, esportivos e de lazer, priorizando áreas mais
vulneráveis à criminalidade.”
A Secretaria de Defesa Social de
Pernambuco informou que a principal “motivação para CVLIs era o
envolvimento com tráfico de drogas, acerto de contas e outras atividades
criminais, o que representava 53,3% dos casos”. Entre os assassinatos
no ano passado, a pasta diz que 48,4% das vítimas tinham passagem pelo
sistema de Justiça criminal. O governo pernambucano também alega queda e
diz que dezembro foi o segundo mês com menos registros do ano –394
ocorrências, contra 458 em novembro. “Contribuiu para esse cenário de
redução o trabalho de repressão qualificada das polícias, que conseguiu
prender 2.249 homicidas em 2017”, informou
“É preciso, no entanto, entender o
cenário brasileiro, que demonstrou aumento de homicídios em todo o
território nacional, sobretudo no Nordeste, devido à crise econômica e
desemprego. Sofremos as consequências de falta de fiscalização nas
fronteiras, ausência de vagas em presídios federais, de uma política
nacional de segurança e recursos da União para apoiar os Estados, como
ocorre em áreas como a saúde e a educação”, afirmou o secretário de
Defesa Social de Pernambuco, Antonio de Pádua.
O cenário não é diferente no Rio Grande
do Norte. Segundo a Secretaria de Defesa Social, pelo menos 70% dos
CVLIs têm relação com o tráfico. “A guerra entre grupos criminosos
rivais tem acentuado o quantitativo de mortes no Estado, que viveu em
2017 um ano atípico na Segurança Pública, quando no mês de janeiro
iniciou-se uma crise no sistema prisional, que resultou em várias
mortes”, resumiu.
Em Alagoas, a Secretaria de Estado da
Segurança Pública afirma que o aumento de homicídios ocorrido em 2017
teve pico nos quatro primeiros meses do ano, com alta de 26% em relação
ao mesmo período de 2016.
“Neste ínterim, ocorreram disputas entre
facções criminosas pelo comando do tráfico de drogas que culminaram com
as mortes. Porém a Segurança Pública tomou as medidas necessárias para
conter a escalada dos números, o que pode ser percebido quando se
comparam os dados entre maio e dezembro. Exemplo disto ocorreu em julho,
quando foram registrados 111 CVLIs, a maior redução dos últimos anos em
Alagoas.”
0 Comentários